Pego o diário, limpo sua poeira e percebo que algumas folhas do começo estão faltando, ao ler o breve conteúdo, percebo que é um tipo de pesquisa de campo:

"Estou registrando isso como uma tentativa de organizar o que observei. Isso era pra ser uma pesquisa. Ou deveria ser. Não gosto nem um pouco desse lugar, preciso sair daqui logo com a minha equipe, perdemos o Micael na mata ontem a noite...

O foco deste estudo era para ser o folclore inuit, em específico uma criatura comumente referida como Ijiraq. Nas últimas expedições e relatos de tribo os relatos soaram inconsistente, contraditório e propositalmente vago. Isso parece ser de propósito, falar dessas coisas parece que só chama mais atenção, eu não me surpreenderia se as tribos estivessem mentindo pra nos proteger de um mal pior.

O Ijiraq não se manifesta imediatamente. Diferente de outros predadores, ele aprende antes de agir. Aprende melhor através do medo e das ansiedades da presa. Ele entra na sua cabeça e lê os seus pensamentos, costuma ficar aos longes observando enquanto lentamente aprende a se tornar algo que a pessoa teme ou ama. Assim podendo convencer melhor a presa ficar... é, aquela coisa quer que a gente fique preso aqui nessa porra dessa floresta, o motivo parece ser para alimentar outro tipo de criatura...

Relatos indicam que a criatura observa por dias. Às vezes semanas. Esconde-se entre a mata, imitando sombras, troncos, as vezes imitando até a própria floresta. A presa raramente percebe quando o estudo começa. Quando percebe, já é tarde demais.

Durante esse período de observação, o Ijiraq testa pequenas aproximações. Sons fora de lugar. Silhuetas quase corretas. Rostos familiares com algo errado demais para ser explicado. Essas falhas não são erros. São ferramentas cognitivas. Aquela coisa literalmente brinca com a sua mente.

Os Ijirait (Plural de Ijiraq) parece se alimentar da tentativa humana de corrigir o imperfeito. Quanto mais a presa tenta entender o que está errado, mais exposta fica. O medo, quando racionalizado, se torna um mapa para eles, sinto que talvez eles me estejam estudando agora.

Os inuits falam que onde tem Ijirait, tem também [Um rabisco violento censura a palavra] e que isso torna a floresta amaldiçoada.

É essencial prestar atenção absoluta ao percurso feito. A criatura interfere na memória espacial. Pessoas juram caminhar em linha reta por horas e retornam ao mesmo ponto. Não é desorientação comum. É indução psíquica, os Inuits costumavam construir montes enormes de pedras para que as crianças que fossem capturadas por um Ijiraq retomassem o caminho de casa.

Há relatos que sugerem que fugir do Ijiraq não depende de força ou velocidade. Depende de convencimento. De algum jeito, tem como você convencer a criatura.

Não se trata de enganar eles...

Se trata de fazê-los perder o interesse em você ou no seu grupo.

Infelizmente, os registros não explicam como isso é feito. As descrições param sempre antes do método. Algumas versões dizem que convencer o Ijiraq exige abrir mão de algo. Outras afirmam que é preciso negar aquilo que ele deseja observar.

Existe ainda um alerta recorrente nos relatos: não confundir os perigos da floresta. Segundo a tradição, não há apenas uma entidade atuando aqui.

Tem essas coisas, os Ijirait.

Mas também te-"

[O restante do diário foi rasgado, algo parece ter destruído de propósito, os vestigios de folhas estão violentamente arrancados e amassados do caderno velho]