Abri a boca e gritei.

O som saiu rasgado, mais desespero do que pedido de socorro. Minha voz atravessou a clareira e entrou na floresta como algo indevido, algo que não deveria estar ali. O eco voltou distorcido, engolido pelas árvores, e por um instante achei que nada responderia.

Então ouvi o estalo.

Não vinha de mim. Não vinha do vento. Era a ausência de som onde ele deveria existir. A floresta respondeu ao meu grito com um apagamento súbito, como se algo tivesse deslizado entre os espaços, ocupando o que antes era ar.

Tentei focar em algum ponto entre as árvores, mas sempre que meus olhos se fixavam, não havia nada ali. Ainda assim, sombras se moviam no limite da visão, distorcidas demais para pertencerem a galhos ou troncos. Quando eu virava o rosto, desapareciam, deixando apenas a sensação de estar sendo observada de muito perto.

Meu corpo começou a reagir antes da mente. Um peso lento se acumulou sobre o peito, como se o escuro estivesse se apoiando em mim. O ar ficou denso, difícil de puxar. Senti algo encostar no meu ombro, mas ao olhar, não vi nada além da própria sombra se alongando no chão molhado.

Então percebi que a sombra não acompanhava meus movimentos.

Ela se movia sozinha.

No contorno irregular projetado pela luz difusa, havia algo errado. Pernas que se dobravam em ângulos estranhos. Uma silhueta que lembrava um corpo humano, mas se prolongava para trás em algo mais baixo, mais pesado. Quando tentei encarar diretamente, minha visão escureceu por um segundo, como se meus olhos recusassem a imagem.

O toque veio de todos os lados ao mesmo tempo. Não como mãos, mas como a pressão de uma presença inteira atravessando meu corpo. Senti meu equilíbrio desaparecer, minhas pernas falharem, enquanto algo se sobrepunha à minha existência, ocupando o mesmo espaço que eu.

Por um instante breve — breve demais — vi um reflexo impossível no vidro escuro da floresta. Metade de um rosto humano, distorcido pelo medo, fundido a uma cabeça alongada, lembrando um caribu mal formado. A imagem se quebrou no momento em que tentei compreendê-la.

A dor não foi física no começo. Foi como se pensamentos fossem arrancados à força, memórias esmagadas, minha identidade sendo comprimida até caber em algo menor. Senti meu coração disparar, depois desacelerar, como se estivesse seguindo um ritmo que não era mais meu.

Caí no chão sem perceber quando. A sombra se estendia sobre mim, pesada, absoluta. Não havia luta possível. Não havia algo concreto para empurrar ou ferir. Apenas a certeza de que eu estava sendo atravessada, estudada, consumida de um jeito que não deixaria marcas visíveis.

Quando o peso finalmente se afastou, senti meu corpo falhar. Tudo parecia distante demais, como se eu estivesse alguns passos fora do lugar que ocupava. A floresta voltou a emitir sons aos poucos, tímidos, errados, enquanto o frio começava a se espalhar de dentro para fora.

Enquanto a coisa se afastava, senti meu corpo falhar. O calor escorria de mim para o chão frio, e meus ouvidos zumbiam. O último pensamento que consegui formar foi simples e inútil:

Eu não deveria ter gritado.

No final, a última coisa que eu escutei antes de morrer era os sons de grilos da floresta...

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